Defesa da Europa e o Dom Quixote de La Mancha

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 20/03/2025)


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“Precisamos de uma mentalidade de defesa europeia a todos os níveis na Europa”, disse António Costa durante a 164.ª sessão plenária do Comité das Regiões Europeu.

António Costa repetiu o “mantra” da Europa ameaçada pela Rússia para justificar as colossais despesas em material de guerra previstas para os próximos anos e que, na verdade, servem para compensar a perda de lucros dos grandes grupos resultantes da perda de competitividade dos produtos europeus no mercado mundial, resultante em boa parte da política de substituição da energia barata importada da Rússia pela energia cara dos EUA, e da perda de mercados do antigo Terceiro Mundo para a China.

“A guerra da Rússia contra a Ucrânia tem sido um ato de agressão, causando sofrimento humanitário. Mas também ameaçador para a segurança europeia”, alertou, ao defender que “nada sobre a guerra contra a Ucrânia pode ser decidido sem a Ucrânia” e que é necessário “intensificar os esforços para construir uma Europa da Defesa”, acrescentou.

António Costa considerou que é necessária a “confiança dos cidadãos” na capacidade de a Europa os defender. Mas defender de quem?

Este mantra assenta num conjunto de sofismas — isto é, de deturpações grosseiras. O primeiro é o da ameaça russa. A Rússia nunca atacou a Europa, e Europa é um conceito muito plástico e utilizado segundo as conveniências do pregador. A Rússia faz parte da Europa e da sua história e esteve envolvida nos conflitos europeus como todas as outras potências, da Suécia aos império austro-húngaro, e franco-prussiano, da França à Espanha e à Polónia.

A nova Europa é uma entidade criada pelos dirigentes europeus perdidos entre o final da administração Biden e o início da administração Trump e que ficaram na situação das moscas que caíram numa mancha de óleo se agitam muito sem sair do mesmo sitio. Esta Europa sem formas definidas é Bruxelas e é um produto dos funcionários de Bruxelasque andam em palpos de aranha para justificarem a existência e, mais difícil ainda, a sua utilidade.

Em desespero de perdas, a oligarquia europeia recorreu à velha solução da guerra e dos armamentos e colocou os seus agentes nos mais altos cargos da União Europeia a vender a ideia da invasão russa, da reconversão das fábricas de automóveis em tanks e das de latas de conserva em cartuchos dos operários em soldados.

A ideia seria boa, se não obrigasse os europeus a comprar um pacote de burlas tão valiosas como garrafas de ar de Fátima e a assumirem serem mentecaptos ou peregrinos chegados a um santuário de realidade virtual. Em Dom Quixote de La Mancha, Cervantes antecipou este delírio de ver castelos em moinhos, legiões em procissões, mas não chegou à desfaçatez de impor o pagamento do Rocinante, nem da lança de combate!

Na realidade, a Rússia, após três anos de invasão da Ucrânia, avançou 200 quilómetros e segundo informações ocidentais está próxima de atingir o máximo de potencial militar sustentável pela sua economia. A distância de Kiev a Paris é de 2400 quilómetros. O que significa que a este ritmo a Rússia necessitaria de 36 anos para atingir o centro da Europa. É evidente que esta contabilidade apenas serve para realçar o absurdo do tipo de argumentos dos armamentistas.

A desonestidade dos dirigentes europeus revela-se no que omitem e manipulam: a Ucrânia deixou de ter interesse enquanto objetivo militar e económico. Para a Rússia não serve de corredor de ataque à “Europa”, como revelam as dificuldades em avançar, mas também não serve para a “Europa”, mesmo rearmada, invadir a Rússia e conseguir o que nem Napoleão nem Hitler conseguiram, como o falhado contra ataque ucraniano apesar do maciço apoio ocidental demonstrou. Economicamente, as matérias-primas, os terrenos valiosos e infraestruturas já foram negociados pelo Reino Unido e principalmente pelos EUA. A Rússia, pelo seu lado, possui em quantidade todas as matérias-primas existentes na Ucrânia e basta-lhe o controlo dos portos do Mar Negro. O saque da Ucrânia está negociado entre os EUA e a Rússia. Assistimos apenas a cenas de disfarce que permitam à Ucrânia e à nova Europa saírem de cena sem humilhação. O anúncio do rearmamento da Europa faz parte da comédia de enganos com que os dirigentes europeus estão a iludir os europeus. Acontece que é um caríssimo número de ilusionismo.

Também não se vislumbra o interesse da Rússia em “invadir” a nova Europa que não dispõe de matérias-primas, que é um anão nuclear, que não domina tecnologias exclusivas, caso da Inteligência Artificial, que não tem presença significa no espaço nem nas redes de informação e comunicação, que é vista pelo resto do mundo como uma antiga potência colonial, um anexo dos EUA ou um resto abandonado por estes, o que ainda é mais humilhante, o que ainda torna mais absurda a despesa em armamento para se defender de quem não vê vantagens na sua conquista, a Rússia, que compraria um saco de gatos historicamente causadores de perturbações locais e mundiais.

O rearmamento da Europa faz tanto sentido como comprar uma armadura e um arreio de prata para um burro velho e convencer os pagantes de que têm ali um cavalo de batalha que os defenderá de um inimigo imaginário. O Dom Quixote de La Mancha antecipou este cenário.

5 pensamentos sobre “Defesa da Europa e o Dom Quixote de La Mancha

  1. O papel dos “grandes líderes portugueses” nesta história toda é mais semelhante ao do pachorrento Sancho Pança, ou mesmo do seu burrico, do que propriamente do alucinado cavaleiro andante ou do possante Rocinante. Sem grande vontade própria ou autodeterminação, mais serviçais ainda, e mais chico-espertos. Uns quantos lá são promovidos a cavaleiros ou membros da corte de Bruxelas, ou do eixo franco-(anglo)-alemão. É só estraga-albardas…

  2. Esta gente só sobrevive arranjando inimigos externos que desviem as atenções da falta de habitação, saúde e em muitos casos ate pão.
    A Europa não precisa de se defender da Rússia porque a Rússia não nos quer para nada.
    Não porque avanca devagar na Ucrânia.
    Se se tenta fazer uma guerra a poupar civis, ao contrário do que fazem os Estados Unidos e fariam os ucras se pudessem, e claro que o avanço e lento.
    O que interessa aos russos é matar nazis e garantir que os mesmos não avancam porque quando isso acontece as mortes civis são muitas.
    Foi o que aconteceu quando conseguiram alguns avanços no final do Verão de 2022 que levaram os apoiantes do nazismo a quase ter um orgasmo sonhando com os nazis a entrar triunfantes em Moscovo em que civis foram assassinados e exibidos como vítimas dos russos.
    Na recente incursão em Kursk, cuidadosamente planeada pela Nato, quem recusou ser evacuado morreu ou teve histórias terríveis para contar.
    Não e fácil fazer uma guerra limpa quando o adversário joga o mais sujo possível e tem um total desprezo pela vida de civis que considera inferiores. A Ucrânia só não faz o que faz Israel porque não pode.
    Qualquer outro país com armas nucleares já os teria posto a ver cogumelos cor de laranja.
    Pode ser que ainda aconteça que, no meu caso concreto já estou pelos cabelos por ter de pagar as contas daquele malandro do Herr Zelensky.

  3. Toda uma liturgia de um “cadáver esquisito” que nem sequer é espontâneo, e sim soprado aos ouvidos dos seus autores…
    Quando os russos já não servirem de chamariz (o que não acontecerá tão cedo), arranja-se os “extremistas” islâmicos por oposição aos “moderados” cristãos, e um dia serão os extraterrestres, sejam os cinzentos, os reptilianos, os mantis, ou outros quaisquer, que não sejam nem nórdicos nem arcturianos, que esses são “gente de bem”.
    “The show must go on…”

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